quarta-feira, 8 de setembro de 2010

IGREJA E REINO DE DEUS

(Por Paula Simões)

Dizem que as mulheres de trinta anos são fascinantes pelo simples fato de que elas são mais decididas; sabem o que querem e o que não querem da vida; têm a capacidade de julgar e tomar decisões acertadas. Eu não discordo, mas como uma balzaquiana, afirmo que para chegar a esse momento sublime, o processo de mudança é contínuo, árduo e doloroso. Tenho experienciado momentos que fazem parte desse processo de mudança, intensos, conflituosos e que, por muitas vezes, vão de encontro ao que se é pregado pela sociedade majoritária, desmistificando, pra mim, o ditado que diz que a voz do povo é a voz de Deus.
Ultimamente, o que tem inquietado bastante o meu coração é o fato de já ter um pouco mais de trinta anos e de só agora começar a descobrir o que é Reino de Deus e o quanto eu desperdicei energia na minha juventude, sem que esse Reino fosse apresentado aos outros por intermédio da minha vida. Antes, achava que Reino de Deus estava dentro dos quatro cantos de uma igreja e que só alguns eram merecedores dele, inclusive eu, que vivia a maior parte do meu tempo dentro de uma e me inchava de orgulho por ser do grupo de louvor, por participar de muitos grupos de trabalho da igreja e por ser apontada como um exemplo a ser seguido. Eu não conseguia conceber Reino de Deus fora do meu ativismo dentro da igreja, não o compreendia manifestado além da oralidade divulgada através do evangelismo em praças. Nos ambientes que faziam parte da minha realidade social, como colégio, faculdade e trabalho, eu me apresentava totalmente fora dos laços de socialização, dentro de uma concha, à parte de tudo que acontecia e de todos; era como se fosse um peixinho fora d’água. Comportava-me assim, por achar que, se tivesse algum tipo de contato, poderia me corromper com a companhia de outros que não compartilhavam da mesma fé. Não compreendia a dimensão, extensão, largura e profundidade desse Reino.
Jesus, quando esteve encarnado entre nós, não se deteve a propagar o Reino de Deus dentro de uma igreja, ele divulgava o Reino em meio à multidão, mostrava-o em suas palavras, atitudes e no simples fato de ser quem era: Reino de Deus entre os homens (Mc.4:1-34). Mostrou-se Reino de Deus quando escolheu pessoas simples (pescadores e camponeses) e de condições um pouco mais abastadas (Mateus, funcionário público do império romano) para fazerem parte do rol dos seus fiéis discípulos (Mt. 4:12-25, 9:9-13). Quando sentia compaixão pelos pobres e moribundos da sociedade e lhes concedia cura e atenção (Lc. 5:12-16 e Jo. 5:1-14); quando reinseria marginalizados da sociedade, como leprosos e mulheres adúlteras, concedendo cura e perdão (Lc. 17:11-18 e Jo.8:1-11); quando tratava com respeito e relevância a mulher, numa sociedade que a desprezava e não a valorizava, como no caso da pecadora que lavou-lhe os pés na casa de Simão (Lc. 7:36-50).
Mas, Jesus não desprezou inteiramente o papel do templo, enquanto reunião de pessoas que comungam da mesma ideia, dentro do Reino. Quando ficou em meio aos doutores da lei (Lc. 2:39-52) ou quando foi celebrar a festa dos Tabernáculos (Jo. 7:10-40), o templo revela-se como lugar de aprendizado e socialização. Quando purifica o templo (Jo 2:13-25), o mestre o define como um lugar de contrição e reflexão comunitária - no caso, era momento de relembrar, agradecer o que Deus tinha feito pelo seu povo no Egito (celebração da páscoa) - e, como não poderia deixar de comentar, o templo foi utilizado por Jesus para que ele também se revelasse Reino de Deus entre os homens, possibilitando à igreja ser um lugar de revelação, de descobertas (Lc. 4:14-30).
Todavia, o Reino de Deus se solidificou e se propagou de forma concreta fora das quatro paredes de um templo. Foi entre as pessoas, foi em meio a multidão (Mt. 15:21-39), foi convivendo com problemas do dia-a-dia dos indivíduos (Jo. 2:1-12), foi participando das dores e das agruras da sociedade (Jo. 4:1-54) que este Reino se fez presente, encarnado num homem como outro qualquer, porém com o diferencial de trazer consigo o Reino do Pai, de ser ele o próprio Reino de Deus (Jo. 5:16-47).
Não estou menosprezando a importância da igreja no Reino de Deus, estou apenas querendo pontuar o cuidado que se deve ter nesses momentos de ensino-aprendizagem, reflexão, socialização e descobertas que ocorrem nesse espaço de interação, que é o templo, de deixar claro e enfatizar, se for preciso, que o Reino de Deus não se restringe ao ambiente da igreja, que ela faz parte, mas que o Reino ultrapassa os seus muros. Deve-se ter o cuidado para que crianças, jovens ou neófitos da igreja de hoje não venham descobrir o verdadeiro significado do Reino de Deus apenas anos mais tarde, perdendo assim, oportunidades riquíssimas em propagar, ou melhor, em viver este Reino.

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa consciência de Reino de Deus nos faz discernir quem realmente é Jesus de Nazaré, que olha as pessoas com misericórdia em vez de hostilidade, que apresenta um modo simples de ser seu seguidor. Jesus é o Senhor da terra, da Igreja e dos Céus.

Paula e Jason, vocês são pessoas especiais e admiráveis.