domingo, 26 de setembro de 2010

REFLEXO DE DEUS X REFLEXO DA SOCIEDADE

Por Paula Simões

É no mínimo intrigante como a forma de ver e viver situações tem mudado no mundo. Por exemplo: antes, quem comandava o lar era o pai e a mãe; hoje, na maioria das famílias quem dita as regras e as rotinas da casa são os filhos. Há bem pouco tempo atrás, polícia era sinônimo de segurança, atualmente tem nos apavorado estar próximo de um policial; casamento era visto como algo sagrado, hoje é apenas um contrato; namoro era sinônimo de um casamento em potencial, hoje em dia significa um relacionamento - se é que posso chamar isso de relacionamento - sem compromisso, com intuito de apenas passar um tempo, ficar, enquanto não se acha alguém mais interessante; honestidade era considerada uma virtude, hoje é vista como falta de esperteza. Enfim, muita coisa tem sido mudada, trocada pelo próprio homem numa inversão de valores que se introjetou sorrateiramente na humanidade e foi ganhando forma na vida, nas situações do dia-a-dia. Valores como respeito, solidariedade, honestidade e bondade estão em extinção ou fora de moda.
Essa simples e comum reflexão me veio à mente no momento do meu devocional, quando me deparei com um texto, na verdade com duas atitudes de um personagem. O texto a que me refiro é o de Atos 8:26-40, em que Felipe obedecendo ao mandado de Deus sai do meio de muitos e vai ao encontro de um. Ele sai de Samaria, onde estava obtendo sucesso na propagação do evangelho, acompanhado por admiradores (Atos 8:5-8, 12 e 13) e vai em direção a um caminho praticamente deserto, em que a probabilidade de passar alguém por ali era mínima. Sai da posição de evidência para o anonimato no intuito de fazer a vontade do Senhor, de estar no centro do Seu querer, mostrando com essa atitude que o sucesso não enche os olhos, não deslumbra, não ocupa lugar de apreço nos valores de Deus.
A outra atitude que me chamou muito a atenção é que após encontrar o eunuco, explicar-lhe a palavra e anunciar-lhe Jesus, o alto oficial da corte da Etiópia, solicita a Felipe que o batize e o discípulo simplesmente o batiza. Ele não requer nada em troca, não aproveita do prestígio político do eunuco para se autopromover, não lhe dá uma lista com milhares de regras de conduta, não diz a qual igreja deve ir, não lhe exige oferta em dinheiro, não exige obediência cega e nem gratidão eterna, simplesmente o batiza e o recebe como irmão, deixando-o livre para fazer suas escolhas, balizado apenas em um único referencial: Cristo. Isso me leva a analisar como o evangelho em nosso país tem sido colocado num mercado de barganhas em que o fiel para receber o perdão de Cristo e fazer parte do reino de Deus tem que se enquadrar em normas de conduta, é obrigado a ofertar, sutilmente forçado a agir e pensar exatamente como seus líderes, sem o direito de ser livre para pensar e agir de acordo com o que Cristo falou ou agiu. Fomos chamados para pregar o evangelho a toda criatura (Mc. 16:15-16) e não para enquadrarmos, uniformizarmos pessoas.
Mas deixando Felipe um pouco de lado, outro fato que me emocionou e levou-me às lágrimas foi a preocupação que Deus em sua infinita glória teve com o eunuco. Como não amar a um Deus que nos contempla em um caminho deserto sem nenhuma perspectiva de que algo novo poderia acontecer, que nos enxerga em meio as nossas lutas e ativismo do dia-a-dia? Como não adorar a um Senhor que deseja que sejamos mais do que religiosos que vão à igreja alguns dias da semana para prestar culto, que deseja que a nossa adoração tenha verdadeiro sentido? O alto oficial da Etiópia tinha ido adorar a Deus em Jerusalém, era um homem como nós, que lia a palavra, orava, que ia ao templo, mas mesmo sendo um homem como outro qualquer, Deus olhou para suas inquietações, contemplou-as, mandando Felipe sair de seu lugar de estabilidade para outro lugar e situação totalmente desconhecidos a ele, só para saciar a sede de um coração sedento pelo Pai. Sabe, desde que me conheço por gente, vejo o tempo passar, pessoas mudarem, líderes espirituais desvirtuarem o evangelho – fruto da inversão de valores – mas nunca, nunca vi ou vivenciei uma mudança sequer no caráter, na personalidade ou nas virtudes de Deus (Tg 1:17b). Ele continua o mesmo! (Hb 13:8) Continua justo: a ele não se suborna ou se faz barganha; continua misericordioso e amoroso: deu-nos o que tinha de mais precioso, Seu filho para que morresse por nós e nos salvasse. Fez tudo isso por nós apenas por amor, só por amor e cabe a nós sermos imitadores de Deus na justiça, na misericórdia e no amor. Cabe a nós sermos reflexo das virtudes de Deus e não das inversões de valores apregoadas pela sociedade.
“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento,...” Romanos 12:2a

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A EXCELÊNCIA SOB QUAISQUER CIRCUNSTÂNCIAS I Samuel 21:10-15

Pr Alexandre Carneiro


Antes de assumir o trono de Israel, Davi foi caçado infatigavelmente por seu antecessor que de certo modo já previa a sua ascensão política ao mais elevado posto do país. Davi viveu os mais difíceis dias de sua vida sob a ameaça contínua do rei Saul. O tipo de perseguidor no qual Saul se tornou não age por princípios éticos; não respeita lei, nem o direito; não poupa a família; mente, suborna e assassina. Saul, a despeito de ocupar um lugar privilegiado e possuir qualidades que o elevaram ao trono se sentia ameaçado por Davi. Os lugares de poder quando se sentem ameaçados se tornam violentos. por outro lado, muita gente em função de autoridade que sabe administrar pessoas comuns se desestabiliza quando recebe sob seu comando gente melhor preparada para certas funções. A vida e o desempenho público de Saul começaram a desmoronar quando a presença de uma pessoa capaz expôs a fraqueza dele e, aí, o rei partiu para o ataque. Toda liderança é questionável na circunstância em que para se manter precisa eliminar de seu círculo de convivência pessoas capazes. O trecho de I Sm 21:10-15 se situa nesse contexto e vai revelar nuances do comportamento de pessoas capazes sob clima de perseguição. Uma das primeiras invocações do texto grifa os territórios que enfatizam a manifestação de habilidades diferenciais e, ainda que a despeito da rejeição, os valores que brotam da alma não podem ser contidos. Essas duas questões devem seriamente ser consideradas.
Primeiramente, porque mostra a degradação de certos sistemas ou de certas lideranças que não sabem conviver com o talento, pois convivência com o talento requer certa grandeza; o fato é que, quando um ambiente se fecha para algum tipo de excelência representa uma escala baixíssima de dignidade humana. No entanto, a grandeza da alma humana não tem lugar específico para aparecer; brota em qualquer canto provável e improvável. Devemos considerar que a exemplo do que ocorreu com Davi e com outros mais, as pessoas que têm vocação para produzirem excelência farão isso sobre quaisquer circunstâncias. O talento humano possui vocação nobre e quanto maior for a resistência do lugar, mais nobre será a missão. Há de se convir que quanto maior for o grau de rejeição muito mais necessária será a presença de talento aí. Mas o que me chamou a atenção no texto foi o fato de Davi ter se passado por louco quando hóspede de Aquis, rei de Gate. Os súditos do rei o informaram da importância política de Davi em seu país, deduzindo-o uma ameaça. Ao tomar conhecimento do comentário, Davi temeu e fingiu-se de doido, de modo que babava e se esgravatava nos postigos das portas, fazendo com que todos acreditassem, inclusive o rei, que enlouquecera. O episódio me interessou e me motivou a questionar entre outras coisas: Qual a conduta adequada dos que operam a excelência quando perseguidos? O que significa de fato o princípio da dependência de Deus? Que lugar a matéria do fingimento tem na vida dos que almejam o bem? Como vocês podem ver, temos questões sérias para pensar!

domingo, 19 de setembro de 2010

Dons Espirituais: Talentos potencializados


Qual, ou quais talentos possuímos? Em que nos destacamos por nossa desenvoltura? Todos nós possuímos talento, sejam eles inatos ou adquiridos, mas possuímos. Alguém pode dizer que não possui talento, que não se destaca em nada. Ao me deparar com essa afirmação, lembro-me de um neuropsicólogo chamado Gardner que em seu livro “Margem da Mente: a teoria das inteligências múltiplas” escreve sobre a inteligência afirmando que os seres humanos são detentores, não de uma, mas, de sete inteligências e que, por percursos da vida, umas são mais estimuladas e outras não, mas as pessoas são capazes de desenvolver todas. Resumidamente, as inteligências são: a lingüística (característica de poetas, escritores, redatores, oradores, etc.), lógico-matemática (presente nos cientistas, advogados, matemáticos, etc.), corporal-sinestésica (o corpo age liderado pelo cérebro. Característica inerente a atletas, mímicos, atores, etc.), espacial (capacidade de formar modelos mentais no campo do concreto como fazem os arquitetos, engenheiros, escultores, decoradores, cirurgiões, etc.), musical (compositores, cantores e músicos de forma geral possuem essa forma de inteligência), naturalista (inerente a pessoas que distinguem, classificam e utilizam elementos do meio ambiente como biólogos, camponeses, caçadores, etc.) e a inteligência emocional que engloba intra-pessoal e interpessoal (a intra-pessoal corresponde a capacidade que a pessoa tem de auto-controle, auto-conhecimento. Pessoas com essa inteligência desenvolvida são grandes líderes. A interpessoal refere-se aquelas pessoas que têm grande poder de persuasão e de percepção do outro. É característica dos políticos, profissionais de marketing, pastores, etc.).

O que Gardner chama de inteligência em seu livro, aqui eu denomino de talento. Por falar em talento, novamente, como podemos usar estes talentos na propagação do Reino? Bem, antes de responder essa pergunta é necessário ter em mente que talento que propaga Reino de Deus, é talento potencializado pelo Espírito Santo. Sendo assim, deixa de ser talento para ser dom do Espírito Santo. Partindo dessa visão, da teologia sistemática, segue-se na linha de pensamento no que diz respeito à divisão de dons em duas vertentes: dons naturais e miraculosos. Respectivamente esses dons são definidos como relacionados a talentos de esfera mais humana, mais naturais e talentos relacionados a esfera do sobrenatural, menos naturais. O apóstolo Paulo em Rm 12:6-8 e em I Co 7:1-7, cita alguns dons naturais e miraculosos (o da palavra, sabedoria, profecia, casamento, celibato, etc.) e apesar de não citar todos, por serem muitos, ele afirma em Rm 12:4-7, 11, que há lugar, várias formas e modelos de exercê-los; e que eles são distribuídos pelo Espírito Santo que dá o dom a quem quiser, como quiser, se quiser e por quanto tempo quiser, objetivando o bem comum, o bem de todos da comunidade e a propagação do Reino de Deus. Pode-se exemplificar aqui, personagens bíblicos como Sansão (Jz 16:23-31) que tinha uma força absurda, dada por Deus, que lhe foi tirada por um determinado tempo de sua vida, mas que também retornou-lhe por um só e único momento, precedendo a sua morte.

Todavia, para que sejamos anunciadores do Reino, é necessário pontuar alguns pré-requisitos. Lendo o livro de Romanos 12:1-8, vê-se que é imprescindível estar disponível, dar-se a humildade e exercer com responsabilidade os dons distribuídos pelo Espírito Santo. Munidos desses pré-requisitos, estaríamos aptos a propagar o Reino, se Paulo tivesse parado no versículo oito; mas ele continua a escrever e a revelar o pré-requisito básico e indispensável para que o Reino de Deus seja difundido através de nossos dons: o amor.

Retornando a indagação do segundo parágrafo – como utilizar os dons (talentos potencializados pelo Espírito Santo) no Reino – a vida de Jesus é o maior exemplo de utilização dos dons na difusão deste Reino. Antes de qualquer exemplificação deve-se saber conceber que o Reino de Deus vai muito além dos muros da igreja, muito além das nossas reuniões, isso é apenas uma parte dele. Jesus exerceu seu ministério utilizando seus dons para o bem comum, o bem de quem estava a sua volta. Quem eram as companhias constantes de Cristo? A multidão. A multidão englobava doentes como a mulher do fluxo de sangue, os moribundos como o servo do centurião, marginalizados com a mulher que lhe lavou os pés na casa de Simão ou os cegos, aleijados e leprosos, pessoas aflitas como a viúva de Naim, enfim, pessoas comuns como eu e você. Ele exerceu tantos os dons naturais, quanto os dons miraculosos. Não se pode deixar de mencionar – o Novo Testamento está repleto de exemplos – suas curas e milagres, mas também a Bíblia revela que Cristo exercia maravilhosamente bem os seus dons naturais. Pode-se citar como forma de explanação, o dom de ensinar, de compaixão e de contar estórias (parábolas). Porém, o dom que Jesus exerceu e que alicerçou, solidificou, fundamentou e impulsionou todos os seus outros dons, foi o dom de se doar e de procurar desempenhá-los em prol do bem comum. Foi o dom de amar. Portanto, a exemplo de Cristo, se faz necessário que se olhe em volta, que se procure perceber as pessoas em suas necessidades e que se pratique os talentos que o Espírito Santo potencializa em prol do bem comum. Contudo, que isso seja realizado em amor, pois não havendo o amor, será apenas um talento, será apenas “(...) como um metal que soa ou como um sino que tine”, de nada se aproveita.

“(...) E eu que nada sou não tenho muito a dar, mas se eu tiver amor na vida que eu levar, eu saberei então, que o pouco que eu fiz não foi em vão. Valeu a pena sentir meu Deus feliz” (Stênio Marcius)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ensinar: Prática interventiva

Tenho muita dificuldade em aceitar quando alguém chega até mim e de forma arrogante ou, até mesmo desdenhando da minha prática - no caso, prática profissional - vem me ensinar como devo exercê-la, desenvolvê-la. E, se é alguém que tem nenhum ou pouco conhecimento sobre a minha profissão, aí é que essa minha incapacidade de creditar a opinião alheia se torna mais forte.
Certo dia, ouvindo uma música de Stênio Március, “Certezas” e, remoendo a letra desta, lembrei-me desse meu defeito. Reportei-me ao episódio da pesca maravilhosa do livro de Lucas, capítulo 5. Via-me em meio à multidão assistindo aquela cena fascinante, intrigante e esplendorosa.
Fascinante, pelo modo como Jesus age; pela sua calma, mansidão e humildade perante um milagre prestes a acontecer, e a forma como Pedro, homem do povo, desprovido de traquejos sociais, rude até, acata a sugestão do mestre que o orienta na maneira de conduzir, de desenvolver a sua prática profissional.
Intrigante, porque sendo Jesus um profissional da carpintaria, acostumado a lidar com o material concreto, com a madeira; que prevê a obra final do seu trabalho chega a se expressar com tanta convicção ao pontuar os procedimentos que um pescador acostumado a lidar com os imprevistos de um mar cheio de surpresas, que não lhe dá nenhuma prévia de como será o resultado de um dia de trabalho, deve tomar para atingir o seu objetivo final: a rede cheia de peixes. E, esplendoroso, pelo simples fato de que um milagre acontece ali, em meio à multidão e à natureza. Ocorrência esta que é inerente a quem compartilha uma caminhada com Cristo e consegue vislumbrar seus milagres no dia-a-dia.
Jesus, ao ver que os pescadores haviam desembarcado e que lavavam as suas redes (Lc. 5:2), percebeu quão tamanha era sua frustração por não terem obtido o resultado desejado de sua pescaria. Então, Ele intervém, talvez provocando em Pedro um pensamento sincrético: Como um carpinteiro pode opinar sobre a profissão de um pescador? Como alguém vem me ensinar o que eu mais sei fazer na vida? Eu já fui ao mar, passei a noite inteira e não peguei nada, como ele me manda ir novamente? Mas, Pedro resolve acatar a ordem do mestre e experienciar um dos momentos ímpares de sua caminhada com Cristo.

“(...) Não sei por que te ouço e lanço as minhas redes onde mandas
Que para estremecer a minha alma voltam cheias, se rasgando
O que fizeste das minhas certezas, do que eu pensava ser?
Percebo agora, que não passo de um pequeno barco à deriva!

Retira-te de mim porque sou pecador!
Mas deixa vir no vento Teu perfume, Tua voz, Teu ser que é Santo.”

Jesus intervém em nossas vidas de muitas formas e em todos os seus setores (profissional, amorosa, financeira, espiritual). Faz isso por amor, por preocupar-se conosco, por sermos importantes para ele. Muitas vezes, as suas intervenções chegam a nós causando-nos estranheza e pensamentos conflituosos como aconteceu com Pedro na pescaria maravilhosa. Cabe a nós acolhermos ou não a intervenção do mestre. O que posso afirmar aqui, é que ao acolher a decisão de Jesus, Pedro pôde experimentar o sabor de ter obedecido à voz daquele que sabe mais e que, por amor, orienta, conduz os passos e se responsabiliza pelo resultado final dessa decisão.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

IGREJA E REINO DE DEUS

(Por Paula Simões)

Dizem que as mulheres de trinta anos são fascinantes pelo simples fato de que elas são mais decididas; sabem o que querem e o que não querem da vida; têm a capacidade de julgar e tomar decisões acertadas. Eu não discordo, mas como uma balzaquiana, afirmo que para chegar a esse momento sublime, o processo de mudança é contínuo, árduo e doloroso. Tenho experienciado momentos que fazem parte desse processo de mudança, intensos, conflituosos e que, por muitas vezes, vão de encontro ao que se é pregado pela sociedade majoritária, desmistificando, pra mim, o ditado que diz que a voz do povo é a voz de Deus.
Ultimamente, o que tem inquietado bastante o meu coração é o fato de já ter um pouco mais de trinta anos e de só agora começar a descobrir o que é Reino de Deus e o quanto eu desperdicei energia na minha juventude, sem que esse Reino fosse apresentado aos outros por intermédio da minha vida. Antes, achava que Reino de Deus estava dentro dos quatro cantos de uma igreja e que só alguns eram merecedores dele, inclusive eu, que vivia a maior parte do meu tempo dentro de uma e me inchava de orgulho por ser do grupo de louvor, por participar de muitos grupos de trabalho da igreja e por ser apontada como um exemplo a ser seguido. Eu não conseguia conceber Reino de Deus fora do meu ativismo dentro da igreja, não o compreendia manifestado além da oralidade divulgada através do evangelismo em praças. Nos ambientes que faziam parte da minha realidade social, como colégio, faculdade e trabalho, eu me apresentava totalmente fora dos laços de socialização, dentro de uma concha, à parte de tudo que acontecia e de todos; era como se fosse um peixinho fora d’água. Comportava-me assim, por achar que, se tivesse algum tipo de contato, poderia me corromper com a companhia de outros que não compartilhavam da mesma fé. Não compreendia a dimensão, extensão, largura e profundidade desse Reino.
Jesus, quando esteve encarnado entre nós, não se deteve a propagar o Reino de Deus dentro de uma igreja, ele divulgava o Reino em meio à multidão, mostrava-o em suas palavras, atitudes e no simples fato de ser quem era: Reino de Deus entre os homens (Mc.4:1-34). Mostrou-se Reino de Deus quando escolheu pessoas simples (pescadores e camponeses) e de condições um pouco mais abastadas (Mateus, funcionário público do império romano) para fazerem parte do rol dos seus fiéis discípulos (Mt. 4:12-25, 9:9-13). Quando sentia compaixão pelos pobres e moribundos da sociedade e lhes concedia cura e atenção (Lc. 5:12-16 e Jo. 5:1-14); quando reinseria marginalizados da sociedade, como leprosos e mulheres adúlteras, concedendo cura e perdão (Lc. 17:11-18 e Jo.8:1-11); quando tratava com respeito e relevância a mulher, numa sociedade que a desprezava e não a valorizava, como no caso da pecadora que lavou-lhe os pés na casa de Simão (Lc. 7:36-50).
Mas, Jesus não desprezou inteiramente o papel do templo, enquanto reunião de pessoas que comungam da mesma ideia, dentro do Reino. Quando ficou em meio aos doutores da lei (Lc. 2:39-52) ou quando foi celebrar a festa dos Tabernáculos (Jo. 7:10-40), o templo revela-se como lugar de aprendizado e socialização. Quando purifica o templo (Jo 2:13-25), o mestre o define como um lugar de contrição e reflexão comunitária - no caso, era momento de relembrar, agradecer o que Deus tinha feito pelo seu povo no Egito (celebração da páscoa) - e, como não poderia deixar de comentar, o templo foi utilizado por Jesus para que ele também se revelasse Reino de Deus entre os homens, possibilitando à igreja ser um lugar de revelação, de descobertas (Lc. 4:14-30).
Todavia, o Reino de Deus se solidificou e se propagou de forma concreta fora das quatro paredes de um templo. Foi entre as pessoas, foi em meio a multidão (Mt. 15:21-39), foi convivendo com problemas do dia-a-dia dos indivíduos (Jo. 2:1-12), foi participando das dores e das agruras da sociedade (Jo. 4:1-54) que este Reino se fez presente, encarnado num homem como outro qualquer, porém com o diferencial de trazer consigo o Reino do Pai, de ser ele o próprio Reino de Deus (Jo. 5:16-47).
Não estou menosprezando a importância da igreja no Reino de Deus, estou apenas querendo pontuar o cuidado que se deve ter nesses momentos de ensino-aprendizagem, reflexão, socialização e descobertas que ocorrem nesse espaço de interação, que é o templo, de deixar claro e enfatizar, se for preciso, que o Reino de Deus não se restringe ao ambiente da igreja, que ela faz parte, mas que o Reino ultrapassa os seus muros. Deve-se ter o cuidado para que crianças, jovens ou neófitos da igreja de hoje não venham descobrir o verdadeiro significado do Reino de Deus apenas anos mais tarde, perdendo assim, oportunidades riquíssimas em propagar, ou melhor, em viver este Reino.